Leonardo Boff
Neste mês de dezembro completo 70 anos.  Pelas condições  brasileiras, me torno oficialmente velho. Isso não significa  que estou próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no  primeiro momento da vida. Mas é  uma outra etapa da vida, a derradeira. Esta possui uma dimensão  biológica, pois irrefreavelmente  o capital vital se esgota, nos debilitamos, perdemos o vigor dos  sentidos e nos despedimos lentamente de todas as coisas. De fato, ficamos mais esquecidos,quem sabe,impacientes e sensíveis a  gestos de bondade que nos levam facilmente às lágrimas.
Mas há um outro lado, mais  instigante. A velhice é a última  etapa do crescimento humano.  Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que  completar nosso nascimento ao  construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades  e ao moldar o nosso destino. Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer, vamos nascendo  em prestações ao longo da vida  até acabar de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos.
A velhice é a última chance  que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer. Neste  contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: "Na medida em  que definha o homem exterior,  nesta mesma medida rejuvenesce  o home interior"  (2Cor 4,16).  A velhice é uma exigência do  homem interior. Que é o homem  interior? É o nosso eu profundo,       o nosso modo singular de ser  e de agir, a nossa     marca 
registrada, a nossa identidade mais    radical.           Esta identidade devemos encará-la face a face.
Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muita máscaras  que a vida nos impõe. Pois a vida  é um teatro no     qual desempenhamos muitos papéis. Eu, por exemplo,       fui franciscano, padre,  agora leigo,    teólogo,          filósofo, 
professor, conferencista, escritor, editor,       redator de algumas  revistas, inquirido pelas autoridades doutrinais do Vaticano,  submetido ao "silêncio obsequioso"e outros papéis mais. Mas  há um momento em que tudo  isso é relativizado e vira pura  palha. Então deixamos o palco,  tiramos as máscaras e nos perguntamos: Afinal, quem sou eu?  Que sonhos me movem? Que anjos me habitam? Que demônios  me atormentam? Qual é o meu  lugar no desígnio do Mistério?  Na medida em que tentamos,  com temor e tremor, responder  a estas indagações vem à lume  o homem interior.  
 A resposta nunca é conclusiva; perde-se  para dentro do Inefável.
Este é o desafio para a etapa  da velhice. Então nos damos conta de que precisaríamos muitos  anos de velhice para encontrar a  palavra essencial que nos defina.  Surpresos, descobrimos que não  vivemos, porque simplesmente  não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgar novos horizontes e criar sentidos de vida.  Especialmente para tentar fazer  uma síntese final, integrando as  sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram por toda  uma vida, reconciliando-nos com  os fracassos e buscando sabedoria.  É ilusão pensar que esta vem com  a velhice. Ela vem do espírito com  o qual vivenciamos a velhice como  a etapa final do crescimento e de  nosso verdadeiro Natal.
Por fim, importa preparar  o grande Encontro. A vida não  é estruturada para terminar na  morte mas para se transfigurar  através da morte. Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a  Última Realidade, feita de amor e  de misericórdia. Ai saberemos finalmente quem somos e qual é o  nosso verdadeiro nome. Nutro o  mesmo sentimento que o sábio do  Antigo Testamento: "Contemplo  os dias passados e tenho os olhos voltados para a eternidade".
Por fim, alimento dois sonhos, sonhos de um jovem ancião: o  primeiro é escrever um livro  só para Deus, se possível com o  próprio sangue; e o segundo, impossível, mas bem expresso por  Herzer, menina de rua e poetisa:
 "Eu só queria nascer de novo,  para me ensinar a viver". 
Mas  como isso é irrealizável, só me  resta aprender na escola de Deus. 
Parafraseando Camões,completo: 
"mais vivera se não fora, para  tão longo ideal, tão curta a vida."
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)

4 comentários:
Simplesmente, lindo!!!
Simplesmente maravilhoso...!! Veja quando ele diz: "Eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver" Perfeito!
Leonardo Boff. Tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente no Fórum Social Mundial em 2003, na cidade de Porto Alegre. Ele é simples e profundo, como o seu texto.
Leonardo Boff tem a incomum capacidade de responder o irrespondível... Impossível ficar imune às suas palavras... Sinceramente, alimento o sonho de conhecê-lo pessoalmente...
Postar um comentário