Por EUDES JUNIOR*
21 de abril. Feriado nacional. Dia de herói. Do culto à memória em um país que, tantas vezes, insiste em esquecer os seus.
Herói mineiro. A torcida era pela sobrevivência, mas como sempre há uma data para o adeus, Telê Santana não poderia ter partido em outra tão simbólica. Como Tiradentes na luta pela independência. Como Tancredo Neves, no período da redemocratização.
21 de abril de 2006. Sexta-feira. Véspera de mais uma rodada do Brasileirão, o campeonato que Telê foi o primeiro a levantar. O maior título da história do Atlético. Aliás, ninguém comandou o alvinegro de Minas tantas vezes quanto ele: foram 434 partidas e mais de 270 vitórias.
Primeiro, maior, único. A carreira de Telê pode ser descrita em superlativos. Exatamente como a sua vida. À imagem e semelhança do homem que dedicou seu tempo e ofereceu a própria saúde para dar dignidade e alegria à grande paixão dos brasileiros.
Se for verdade que os números não mentem, talvez eles possam comprovar a tese de que Telê, no banco, foi incomparável. Montou times inesquecíveis, como a mágica seleção que perdeu a Copa de 82, mas conquistou o mundo para sempre. Fabricou craques, como Cafu, o lateral e capitão do penta que era meio-campo e não sabia cruzar. Como Raí, destinado a ser apenas o irmão de Sócrates e que se transformou no segundo doutor da bola de uma família iluminada. Capitão do São Paulo de Telê bicampeão da América e do mundo, no melhor momento da história tricolor.
Outro tricolor, bem antes, arrebatou o coração de Telê. Pelo Fluminense, clube que aprendeu a amar e para o qual torcia, o mineiro mais famoso da simpática Itabirito, disputou 522 jogos, marcou 151 gols, ganhou 2 títulos estaduais (50, 59) e, por duas vezes, o Torneio Rio-São Paulo (57, 60). Foi o primeiro ponta a recuar para buscar jogo e ajudar na marcação. Já era moderno na agora distante década de 50. É titular da seleção de todos os tempos daquelas "três cores que traduzem tradição".
Foi a tradição do futebol brasileiro que Telê respeitou e honrou. Não aceitava chutões na bola, muito menos no adversário, qualquer que fosse. O único a exigir tamanha lealdade e espírito esportivo, no testemunho de Zico, o 10 de Telê. Telê que era capaz de perder jogos e títulos, mas nunca a dignidade e a vontade inigualáveis de dar ao público o verdadeiro espetáculo.
Rígido em seus valores, firme em seus propósitos, atacou os cartolas corruptos, os maus árbitros, os gramados ruins, as filas pra comprar ingressos, os banheiros sujos, falta de estacionamentos e perigos dos estádios. Com seus times no ataque, o tempo todo, Telê defendeu com primazia e convicção o futebol-arte que tanto admirava e promovia. E que levou, e o levou, aos 4 cantos do mundo. Que fez dele o primeiro e único, até hoje, a conquistar os campeonatos estaduais dos 4 principais centros do futebol brasileiro: o carioca de 69 com o Fluminense, o mineiro de 70 e 88 com o Atlético, o gaúcho de 77 com o Grêmio e o paulista com o São Paulo, em 91 e 92.
Cansado das falcatruas, da falta de um calendário, das disputas viris, do combate ao talento e das armações de um meio tão fascinante quanto ingrato, Telê adoeceu. Talvez de tristeza, talvez de decepção. E, certamente, por nunca trair seus princípios éticos. A retidão de seu caráter o colocou em outro patamar: o de um homem que costumava estar sempre do lado certo. Das coisas certas, das causas justas.
Quis e não pôde formar e treinar times até o fim da vida. Quis e não pôde assistir aos jogos dos seus times da arquibancada, como o torcedor que tanto prezou até o fim da vida. Até o fim. Expressão que Telê se viu obrigado a enfrentar, até o fim. A fama de ranzinza, de teimoso e de pão-duro do homem que dava valor a cada centavo seu e dos outros. Dos clubes e das torcidas, como poucos dirigentes e jogadores são capazes de fazer. Do homem que persistia no desejo de ver dribles e gols.
Na tabela da habilidade com a ousadia, Telê ainda está à frente do tempo que era seu e que não deveria ter acabado tão cedo. Azarados somos nós, Telê, que ficamos na mesmice da mediocridade sem você. Obrigados a ver os piores momentos no intervalo porque os melhores não prevalecem nem são tão bons. Ai de nós, Telê, que suportamos nossos gênios na Europa ou nos limitamos a viver de arquivo, de videoteipe. Na nossa lembrança você é gol na certa, um fio de esperança, esbelto e decisivo a fazer barulho na rede e nas arquibancadas. Um fio de esperança que, até o fim, enfrentou corajosamente a doença e que morreu como sempre viveu: sem medo de perder, em busca de mais uma vitória, de um sorriso que fosse coletivo. Que significasse a vantagem do talento sobre um resultado a qualquer preço, a supremacia da competência sobre a força, do esporte sobre o negócio.
21 de abril de 2006. Nesse dia, em Belo Horizonte, veio a notícia que ninguém queria dar nem ouvir. Na capital do estado que levanta a voz e a bandeira da liberdade preconizada pelos ideais de homens que, ainda que tarde, venceram e convenceram. Como seus times em campo e você na vida e, até o fim, também na morte.
Com a mesma emoção, com a mesma valentia, com a mesma sabedoria. A sabedoria de um homem que virou mestre. Na arte de viver, na missão de conviver com a vitória e com a derrota, com a glória e o fracasso.
Como um fio de esperança para milhões de apaixonados que, por sua causa, puderam cantar a alegria de chegar lá. Puderam gritar, confiantes e felizes, a palavra que tão bem define o jogador, o técnico, o homem, o mito Telê Santana: campeão.
Na finitude da vida, nossa única certeza, você tornou-se eterno, após um minuto de silêncio repetido dezenas de vezes e aplausos intermináveis. Na memória de um povo e de um esporte que caminham de mãos dadas, você é imortal. Como o grande campeão que sempre foi. Como mineiro heróico e militante. O Inconfidente do Futebol.
*Eudes Junior é jornalista.
POSTADO DO BLOG DO JUCA
http://blogdojuca.blog.uol.com.br
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