segunda-feira, 29 de junho de 2009

AS TRADIÇÕES MERCANTIS DO SÉCULO XXI


Gustavo Atallah Haun

Com a passagem das festas juninas, podemos ver o quanto as festas
folclóricas tradicionais estão voltadas a um mercado consumidor,
notadamente de turistas que procuram o interior para tentarem viver o
que não conseguem trancafiados nos seus apartamentos, ou nas suas
casas blindadas, e no moderno corre-corre da vida videofinanceira
computadorizada.

A tão esperada festa de São João, com suas comidas, danças e
peculiaridades típicas estão dando espaço às megaproduções
particulares, fechadas em fazendas ou parques de exposições,
pagando-se um alto custo pela camisa que dá direito a adentrar e
participar da mesma.

Já não há mais aquela ingenuidade do interior, onde se armavam as
fogueiras nas roças ou nas portas das casas e, numa roda de amigos,
bebiam licor e quentão até o dia raiar. Até tentam imitar isso, mas
está longe daquela imagem bucólica e cultural de antes.

É a transformação própria impressa pelo capital, assim como as festas
de carnaval, natal e outras datas comemorativas, tão modificadas ao
longo dos anos. Na festa natalina, por exemplo, o que menos se
comemora é o nascimento de Jesus. O bom e velho Papai Noel, importado
dos países nórdicos europeus, tomou o lugar do Messias, fazendo uma
particularização indevida que leva a todos ao consumismo exacerbado de
presentes e guloseimas sem nexo.

Certa feita, em conversa com o mestre Ruy Póvoas aprendi que existe
uma mistificação nada respeitosa aos ritos do candomblé. O lindíssimo
Balé Folclórico da Bahia, sediado em Salvador, ajuda a propagar essa
idéia, mostrando para os visitantes, na sua maioria estrangeiros,
algumas danças, músicas e orixás da religião afro-descendente.

O professor se mostra indignado quando uma professora ou artista
desavisada telefona pedindo emprestado as roupas e os paramentos dos
orixás da sua religião, para uma apresentação “circense”. Por que não
fazem isso com o Catolicismo, ou com o Espiritismo, ou com o Budismo?,
questiona o babalorixá. Querem transformar a religião, os mitos, as
crenças vindas de África em um pseudo-folclore, em diversão para os
olhos alheios.

O antigo entrudo e os carnavais vienenses, festas pagãs que vieram
para o Brasil através do branco europeu, disseminada aqui por todos os
cantos e que se moldou ao nosso carnaval de baile, de rua e de
sambódromo, hoje não passa de uma excrescência voyeur dos que lá
freqüentam, voluptuosa e devidamente paga com o sexo e a desestrutura
íntima da multidão, sociologicamente falando.

Também não deixou de ser uma festa capitalista. Os boxes de vendas de
produtos, as empresas que montam a infra-estrutura da mesma, os blocos
de carnaval, o alto preço das fantasias e os super cachês das bandas
acabaram por findar a molecagem ingênua dos meses de fevereiro.

Isso para não falar dos Dias das Mães, dos Pais, dos Namorados e das
Crianças. Sem mesmo deixar de citar a quaresma que desemboca na
Páscoa. Esta uma das mais infelizes de todas, visto que é mentirosa e
ludibria a população há séculos. O ato de comer peixe na sexta-feira
da paixão é uma vergonha, quando na verdade deveríamos era nos tornar
puros de alma, de coração, e não de estômago. Só para lembrar, Hitler
era vegetariano e o boníssimo Chico Xavier um carnívoro…

Todos sabem (e fingem não saber!) da história de que o preço dos
peixes estava caindo e que colocaram esse dogma para que na época da
escassez pudéssemos comprá-los. De gaiatos aí entraram o chocolate
(ovo da Páscoa) e o coelho. Para quem ainda duvida, uma passagem
bíblica do Mestre dos mestres resolve o problema: “não importa o que
entra na boca do homem e, sim, o que sai dela!”

É dessa forma que tudo vai se transformando em lucro, em propina, em
servilismo, em desigualdade social. Quando na verdade deveríamos viver
as tradições e a cultura herdadas (desculpem a redundância!) de forma
ingênua, pura, simples e inofensiva, principalmente para não deixá-las
morrer. Onde está o bumba-meu-boi? O congo? O baile dos mascarados?
Cadê o lança-perfume, os confetes e as serpentinas? Para que lugar
migraram a fogueira, o quentão e as verdadeiras quadrilhas juninas?

Sinto pelas crianças que não poderão aproveitar o que vivenciamos,
saberão por livros e fotografias perdidos no tempo e no espaço,
empoeirados do que foi um dia. E sinto sinceramente pelos idosos que
mantiveram a intensidade dessa fase áurea das tradições culturais,
ajudando para que elas permanecessem entre nós. Em relação ao São
João, agora só resta puxar pela memória e tentar arrastar os pés
imaginários ao som do acordeom do mestre Gonzagão nos terreiros de
outrora, porque nem essa música dita forró-lambadeiro elétrico ajuda.

Gustavo Atallah Haun é professor.

Um comentário:

Anônimo disse...

Infelizmente as festas juninas, perderam seus valores, suas tradições e se renderam aos encantos do Capitalismo, tornando-se mais uma mercadoria a ser consumida...lembrando que “A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia [...] ” (MARX, 2003, p. 57).
As festas deixam de ter seu caráter lúdico, cultural tornando uma atividade com fins puramente lucrativos, onde estas só chegam a uma parcela pequena da sociedade. É imprescindível, estarmos atentos a estes temas, desenvolvendo discussões, para que os sujeitos não fiquem alienados e tenham um posicionamento mais crítico diante do que servido como cultura historicamente produzida.